Nos últimos anos, o Brasil tem vivenciado um fenômeno que provoca intensos debates tanto no meio jurídico quanto na sociedade: o ativismo judicial.
Trata-se de uma postura dos tribunais, especialmente das cortes superiores, que vai além da mera interpretação das leis, influenciando diretamente políticas públicas e decisões que, tradicionalmente, seriam competência dos poderes Executivo e Legislativo.
O ativismo judicial ocorre quando juízes e tribunais adotam uma abordagem mais expansiva e proativa na interpretação das normas, muitas vezes suprindo omissões legislativas ou corrigindo inércias do Executivo.
Essa prática ganhou destaque no Brasil principalmente nas últimas duas décadas, em meio a uma série de decisões emblemáticas do Supremo Tribunal Federal (STF) que impactaram profundamente a sociedade.
Citamos alguns exemplos de decisões decorrentes do ativismo judicial no Brasil:
Em 2011, o STF reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo, conferindo-lhes os mesmos direitos e deveres das uniões heterossexuais. Essa decisão foi um marco na luta pelos direitos LGBT no Brasil, uma vez que não havia legislação específica regulando essas uniões, e o Congresso Nacional não havia se manifestado a respeito.
Outra decisão significativa veio em 2012, quando o STF permitiu a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos. O tribunal entendeu que obrigar a mulher a levar a termo uma gestação inviável seria uma violação de seus direitos fundamentais, especialmente à dignidade e à saúde.
Várias decisões judiciais garantiram a pacientes o acesso a medicamentos de alto custo não fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O Judiciário determinou que o Estado forneça esses medicamentos, fundamentando-se no direito à saúde e à vida, mesmo que isso significasse um aumento considerável nas despesas públicas.
Os defensores do ativismo judicial argumentam que ele é essencial para a proteção dos direitos fundamentais, especialmente em contextos onde o Legislativo e o Executivo são omissos.
A atuação do Judiciário pode garantir que direitos previstos na Constituição sejam efetivamente respeitados, preenchendo lacunas legislativas e promovendo justiça e equidade.
Segundo essa visão, o Judiciário atua como um guardião dos valores democráticos e dos direitos humanos, assegurando que os cidadãos não fiquem à mercê de abusos ou negligências por parte do Estado.
Por outro lado, os críticos do ativismo judicial alertam para os riscos dessa prática, destacando a violação do princípio da separação dos poderes. Eles argumentam que o Judiciário, ao assumir funções típicas do Legislativo e do Executivo, pode desbalancear o sistema de freios e contrapesos, essencial para a democracia.
Além disso, decisões judiciais ativistas podem ser vistas como antidemocráticas, pois os juízes não são eleitos pelo povo e, portanto, não possuem mandato para criar ou modificar políticas públicas.
Esse ativismo pode gerar insegurança jurídica, criando instabilidade e imprevisibilidade no ordenamento jurídico.
A atuação proativa do Judiciário brasileiro tem gerado diversas repercussões.
De um lado, há um reconhecimento da importância dessas decisões para a garantia de direitos fundamentais. De outro, cresce a preocupação com os limites dessa atuação e seu impacto na estrutura democrática do país.
Em um cenário político frequentemente marcado por inércia e impasses, o Judiciário tem sido chamado a atuar de forma mais incisiva. No entanto, é crucial que essa atuação respeite os limites institucionais, evitando que o Judiciário se torne um "superlegislador" e viole princípios básicos de uma democracia, como a separação de poderes.
Em suma, o ativismo judicial no Brasil é um fenômeno complexo que revela tanto a força quanto as fragilidades das instituições democráticas do país. Enquanto alguns veem essa prática como necessária para assegurar direitos e promover justiça, outros alertam para os riscos de um Judiciário que ultrapassa suas funções tradicionais, o que pode vir a causar grandes discussões, tanto no aspecto democrático como no aspecto jurídico, ante a insegurança jurídica das decisões.
O debate sobre o ativismo judicial deve continuar, promovendo uma reflexão profunda sobre o papel do Judiciário em uma democracia e buscando um equilíbrio entre a proteção dos direitos fundamentais e o respeito à separação dos poderes.
Em última análise, a busca deve ser por um Judiciário eficaz, mas que opere dentro dos limites estabelecidos pela Constituição, garantindo assim a estabilidade e a legitimidade do sistema democrático brasileiro.
